sexta-feira, 15 de outubro de 2010

“Homenagem ao escritor Jose Saramago”



Tanto mar, tanto mar...


Beto Moura


A primeira vez que ouvi falar em“ Jose Saramago foi nos anos oitenta,quando ”O Memorial do Convento” foi lançado no Brasil. Li e recomendei aos amigos que fizessem o mesmo com seus amigos; consegui uma legião fiel e frenética. Fizemos uma espécie de “Club privê“ – no bom sentido – onde discutíamos: a gramaticalidade, tipologia da narrativa, metalinguagem, inovação do repertório do romance contemporâneo, dentre tantos outros elementos. Além naturalmente, da própria hermenêutica; mas essa é uma outra história...



O primeiro encontro com “Saramago” foi no auditório de “O Globo”, na década de noventa. O recinto não estava totalmente tomado. Havia mais fotógrafos e jornalistas impostos pelo dever de ofício, do que público interessado propriamente na “ficção apócrifa” de além-mar. Passei a viver um momento histórico sem precedentes. Uma das maiores inteligências da modernidade estava ali diante dos meus olhos; cético e comunista convicto com opiniões contundentes, ainda assim, mantinhaum olhar humanístico...



Saltaram assim, minhas fatigadas retinas sobre os ouvidos moucos e a cegueira dos homens. O cavaleiro das palavras, ganhador do “Nobel” de Literatura” -1998 - , em carne e osso. Sentou-se. Ficou a vontade, acho. Nesse momento olhou panoramicamente, como seus olhos não tivessem habituados para uma improvisada “Babel Tupiniquim”. Umaterra (a)dourada, idolatrada, salve, salve... Uma voz feminina tomou as rédeas da peleja, para combater , o bom combate!Como explicar a emoção que senti? Inexplicável, é,vero! A ideia era que sonhei acordado. Mas logo voltei a mim, quando despertado por salva de palmas. Era como um sopro primaveril, trazendo a fragrância embriagante de sonhos. Esse foi o legado daquela noite! Se me lembro?Ah, se me lembro... Um olhar revolucionário, socialista em tempos de capitalismos selvagens; nem Chê, poderia ser melhor recepcionado pela noite engalanada . Acredite se quiser!
Novamente a mesma voz indagou sobre material ou presentes que gostaríamos de entregar ao autor. Que fossem colocados no platô. E as pessoas de imediato se desfizeram de suas posses: Eu, alguns originais sem mesmo estarem registrados – sempre fazia isso – ,estávamos em compasso de espera, como acontece em período “pré-revolucionário”, semsaber rigorosamente o que ia acontecer...



O escritor fez a semeadura com “Engenho de Arte”, seduzindo-nos; como era de costume... Mais do que prometia a força humana. Era um livro vivo: um livro crítico feroz da desumanidade que escravizou – escraviza - o homem, extraindo assim , a tão necessária “mimésis” para construção do fenômeno literário da sua escrita. Gesticulei-me para formular perguntas – quem quisesse, poderia -, mas não cheguei a inquiri-lo, pois ao falar sobre sua obra – sempre respondia o que lhe era perguntado longamente - ”Kronus” , que engole e destrói sistematicamente tudo: não perdoou o tempo pretérito;agora Inês é morta! Aplausos seguiram-se e logo, um reboliço de pessoas transitavam a esmo, pelas dependências da empresa jornalística. Dirigi-me à mesa das guloseimas. Olfato e paladar brigavam pelo direito à posse: o estômago pedia um “help me” há algum tempo. Os canapés das mais variadas: cores, cheiros e sabores estavam a espera para serem devorados. Imagine o sacrifício! Os garçons e suas bandejas mirabolantes pra lá e pra cá; equilibravam copos e garrafas com líquidos borbulhantes, em seus interiores. Uma espécie de prova com obstáculos... Peguei um drinque: vinho branco! Afinal, teria de comemorar com chave de ouro! Depois, esticando a mão arrematei um canapé.


Ao virar-me, surpresa; o homenageado da noite diante de mim. Paralisei-me. O coração acelerou. Soube naquele momento o que era taquicardia. Ele sorriu como quisesse levar uns dedos de prosa. Logo eu? um simples mortal. Nossa! Me senti como um pequenino em “Terra deGigantes”.Talvez tivesse notado o meu travamento inicial. Falamos sobre... Ou melhor; ele quem falou sobre ”A jangada de Pedra” e a unidade da península Ibérica. Achei estranho um português favorável àquela questão. Insistiu que Portugal se tornaria no futuro, Espanha, ou parte dela. A língua que era Galega com a expulsão dos Árabes da região –redemocratizaçãocristã - foi modificando suas características e adquirindo um outro estágio: o Português! Muitas são as semelhanças entre os dois idiomas.



É fato, que mais cedo ou mais tarde acabaremos integrado. A Espanha através do rei Felipe ll, já anexou uma vez, o estado português, dois anos após a morte de D. Sebastião, na batalha de ”Alcácer Quibir” , no Marrocos , quando a Cristandade ficou órfã de Deus. Fiquei cauteloso. Foram tantos cursos de cultura e literatura Ibérica, nos tempos de faculdade – tantas escaramuças entre espanhóis e portugueses que... - seria uma temeridade concordar com o nobre “Ribatejano”. Todos somos poetas a sua maneira. Nada que se faça nesse mundão de meu Deus se faz sem esperanças, acredite, internautaamigo. Pensei no meu avozinho; remoendo-se em seu apertado túmulo em “Faro, no Algarves”, insurgindo-se sob a terra que lhe cobre, pela contingência natural da desencarnação, e agora, com a ameaça da Unificação? E por falar em morte; vida e morte misturam-se numa ciranda sem-fim...Obrigado pelo encontro, na “Terra de Santa Cruz”, pá. Pela conversa que foi tão longamente, breve, mas que tivemos, até que alguém interrompeu-nos a pretexto de autógrafos...Obrigado, sim, pela sua vida eterna. Um obrigado já gasto pela usança do tempo, mas único e sincero como este...



”Sei que há léguas a nos separar/Tanto mar, tanto mar/Sei tambémquanto é preciso, pá/Navegar, navegar”...


* formado em Letras Vernáculas pela UFRJ.


Autor: Professor desesperado procura.fontes:chicobuarqueestadão.com.brhistoriada língua portuguesalucettevalensinoticia.uol.paulodetarsopensador.infoultimosegundo.iguol..educacãoviniciusdemoraesWikipedia.org